segunda-feira, 6 de outubro de 2008

O ENSINO E A APRENDIZAGEM DO FUTEBOL



Da Rua Para o Campo de Futebol

Rui Pacheco *

Se atentarmos à evolução do Futebol, verificamos que nos seus primórdios, a aprendizagem era feita de uma forma não organizada, na rua ou em terrenos baldios e irregulares, com bolas de diferentes texturas e dimensões e sem a presença de qualquer treinador, através de pequenos jogos de 3x3, 4x4... consoante o número de participantes existentes, em espaços variados (largos ou compridos) e com dimensões reduzidas.
A aprendizagem era feita, fundamentalmente, através de pequenos jogos ou do jogo formal (Método Global), por ensaio e erro, em que o jogador controlava a sua própria aprendizagem, o que originou o aparecimento de muitos jogadores dotados de um grande virtuosismo técnico.
Passou-se assim da aprendizagem do Futebol centrada no jogo, para a aprendizagem baseado nas habilidades técnicas, com o consequente empobrecimento táctico-técnico dos futebolistas.
Da rua e de uma forma informal, o Futebol passa para o campo e de uma forma organizada, com a presença de um treinador e onde impera o método de ensino baseada na técnica individual (Método Analítico).
O jogo passa a ser dirigido fundamentalmente para a correcta execução das diferentes habilidades técnicas, de uma forma isolada, estereotipada e fora do contexto real do jogo, onde se pensava que a melhoria dos desempenhos técnicos individuais, implicaria uma melhoria do funcionamento global da equipa. Esta corrente tecnocrática levou muitos treinadores a adoptar a ideia que os jovens não deveriam começar a jogar Futebol até que não possuíssem o domínio correcto de todas as habilidades técnicas.
Porém, e no entender de Horst Wein (Formador da Federação Andaluza de Futebol -1999) realizar exercícios de técnica é sem dúvida necessário, mas praticá-los sem ter uma referência ao jogo, não tem muito sentido, já que o aprendiz necessita de um contexto de jogo antes de se exercitar na técnica pura.
Este facto tem-se vindo a sentir na actual formação de jogadores de tal forma, que no entender de José Peseiro (ex-Treinador do Sporting CP – 2002), os nossos jogadores são
bons tecnicamente, mas apresentam algumas carências ao nível da compreensão do jogo, para poderem tomar decisões ajustadas. Temos a noção que somos fortes tecnicamente, mas não somos tão fortes ao nível das decisões tácticas. Poderemos mesmo afirmar que o nosso jogador é mais “preguiçoso” perante as tarefas táctico-técnicas do que perante as tarefas físicas.
No entanto, o método de ensino baseado na técnica é aquele que ainda impera na maioria dos clubes. Se observarmos uma sessão de treino na actualidade, ela não difere muito daqueles que se faziam acerca de 10, 20 anos atrás, com uma primeira parte destinada ao “aquecimento”, feita geralmente sem bola, uma segunda parte destinada à prática de exercícios técnicos, desinseridos do contexto do jogo, e uma terceira e pequena parte dedicada ao jogo formal, abordada muitas vezes como forma de motivar os jovens (o denominado “rebuçado”, feito através do treino de conjunto de 11x11 ou 7x7).
Passou-se assim da aprendizagem do Futebol centrada no jogo, para a aprendizagem baseada nas habilidades técnicas, com o consequente empobrecimento táctico-técnico dos futebolistas.
Por outro lado, a problemática do ensino do Futebol toma contornos ainda mais delicados, quando antes os treinadores reclamavam a inexistência de campos próprios para treinar os mais jovens, mas quando estes lhes são colocados à disposição, optam por ministrar sessões de treino direccionadas para o desenvolvimento das capacidades físicas, à base de grandes “correrias” à volta do campo.
Se na actualidade os jovens já não jogam Futebol na rua, por falta de espaços apropriados, devido ao desenfreado desenvolvimento das cidades, se nas próprias Escolas já não podem jogar Futebol, pois quando os professores faltam (“furos”), os alunos são encaminhados para as salas de aula, para as denominadas “aulas de substituição” e depois ao chegarem aos clubes, em vez de jogarem Futebol, vão é fazer Atletismo à volta do campo, a questão que se coloca é: quando é que os jovens vão aprender a jogar Futebol?
Contrastando com o acima referido, será interessante atentarmos ao percurso vivenciado por um grande talento do Futebol como é o caso de Ronaldinho Gaúcho, actual jogador do Barcelona (citado por Larcher, 2004):

“No meu bairro em Porto Alegre passei a infância a jogar à bola. Nunca me separava da bola, driblava, driblava, driblava sem parar. Jogava na rua com os meus colegas, mas também jogava horas sozinho ou com o meu cão. Em minha casa, há bolas por todo o lado. Aproveito todas as oportunidades para improvisar um pequeno jogo no jardim, ou para me descontrair a fazer habilidades. A bola é a minha melhor companhia, é o objecto que mais amo na vida. Quando chove, jogamos com uma bola de ténis na sala. Na minha infância, a minha mãe podia proibir-me de quase tudo, inclusivamente de sair, mas nunca de jogar à bola”.
Daí que, técnicos e analistas desportivos da actualidade, lamentam o não aparecimento de grandes talentos desportivos e um certo empobrecimento técnico dos nossos actuais futebolistas, devido em grande parte, ao desaparecimento do denominado “Futebol de Rua” (os pequenos jogos de 2x2, 3x3, … em espaços reduzidos), parecendo-nos por isso um contra-senso que a primeira experiência competitiva que é oferecida a um jovem futebolista, com 7 ou 8 anos de idade, que pela primeira vez chega a um clube de Futebol, seja de um jogo de 11x11 ou de 7x7, num campo de grandes dimensões (100x60 ou 60x45metros).
Este facto é corroborado por Aurélio Pereira (Treinador do Sporting CP, citado por Raínho, 2004), quando nos refere que foi através do “Futebol de Rua” que todos os jogadores da actual selecção nacional portuguesa se iniciaram no Futebol. O denominado “Futebol de Rua”, os pequenos jogos efectuados nos baldios e nas ruas, com um número reduzido de jogadores (2x2, 3x3, etc.) e em espaços reduzidos, sem a presença de treinadores e de quaisquer condicionalismos, permitia o desenvolvimento da liberdade intuitiva e da criatividade dos jovens, onde estes aprendiam a tomar as decisões mais adequadas no decurso do jogo.
Será necessário entender que os jovens gostam muito de jogar e, fundamentalmente, de ter a bola perto de si, para poderem contactar com ela com elevada frequência.
Não será, concerteza, “oferecendo-lhes” um jogo de adultos de 11 x 11, num espaço de 100 x 60 metros, de uma grande complexidade de interpretação, em que não têm muito sucesso e em que cada jovem toca um número reduzido de vezes na bola, que iremos satisfazer o gosto da criança pelo Futebol e contribuir para a sua evolução como futebolista.
Por outro lado, os jovens nos primeiros contactos que têm com o jogo, têm tendência a deslocarem-se quase exclusivamente em função da bola, aglutinando-se em seu redor, agravando-se ainda mais em campos de grandes dimensões os problemas da aglomeração, da ocupação racional do espaço e das insuficiências técnicas já existentes.
É aconselhável que nas fases iniciais de aprendizagem em que os jovens jogadores têm dificuldades em controlar a bola, o jogo seja aprendido num espaço mais reduzido (20x15, 40x20, 60x45m), com um menor número (3,5,7) de jogadores (adaptado de Garganta, 2000), que lhe permita ter uma melhor leitura de jogo e mais sucesso nas várias acções de jogo, e que lhes dê maior prazer e divertimento, pela maior frequência e pelo maior número de vezes que contactam com a bola e com que obtêm situações de golo.
Assim, afigura-se fundamental criar, no Futebol, situações de jogo simples que vão ao encontro das motivações da criança e formas competitivas adaptadas às suas capacidades, recriando no clube as características do denominado “Futebol de Rua”.
Deste modo, se pretendemos ter no futuro jogadores inteligentes, é fundamental proporcionar-lhes um conhecimento táctico do jogo, porque sabemos que se torna importante para a sua evolução futura, não só saber como executar uma determinada técnica, mas fundamentalmente saber quando, onde e porquê executá-la. Daí que na aprendizagem do jogo, o ensino da técnica e da táctica deverão ser indissociáveis.

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